martes, 10 de noviembre de 2009

A fábula do tatu


A fauna brasileira é tão rica que um mesmo animal pode render dois bons adágios. O tatu, por exemplo, nos deu o popular: “Em toca de paca, tatu caminha dentro?”, muito utilizado por tios em festa de aniversário, e o menos conhecido: “Quem nasce pra tatu morre cavando”, criado ou, pelo menos, popularizado por Moésio Fiuza, amigo, ex-colega de trabalho e filósofo das frases curtas.

Explicando melhor: ao voltar a Madri, não queríamos mais dividir apartamento com ingleses (são gente boa, mas deixam o banheiro pura chá), espanhóis (não são gente boa, ponto) ou peruanos (Peru dá margem a trocadilhos). Dessa vez, desejávamos um ap só nosso para poder, em bom cearensês, se amostrar dizendo que alugamos um apartamento na Europa.

É aí que entra o ditado do Moésio.

Alugar apartamento aqui não é tão simples. (Se você acompanha o blog desde o início - num tem o que fazer, não? - percebeu que é a segunda vez que escrevemos sobre o tema.) E, para dois lisos, a vida ainda é bem mais complicada. Queríamos um ap bem localizado, grande, barato e por curta temporada. Complicado. Praticamente impossível. Citando o Seu Pádua, um apartamento assim é mais difícil que ver orelha de freira. Porém, fora dinheiro, tempo, dignidade e saúde, o que mais tínhamos a perder?

Capítulo 1 - Apartamento
Após duas semanas dormindo na casa de amigos e comendo Chilitos no café, almoço, jantar e ceia, pensávamos haver encontrado o apartamento dos sonhos. A corretora, Gemma, uma gordinha que nem precisa de apelido, já que seu nome faz alusão ao produto galináceo, nos ligou entusiasmada. É ótimo, bem amplo. Clara, quer dizer, claro que era mentira. O lugar era tão pequeno que, quando ela queria entrar, nós tínhamos de sair. Desculpe o trocadilho, Gemma, mas aquele apartamento era um ovo.
Capítulo 2 - Internet
Após encontrar o apartamento, o perrengue seguinte atendia pelo nome de internet. Foi quando constatamos que, em pelo menos dois quesitos, o Ceará deixa Madri no chinelo: produção de castanhas de caju e qualidade dos serviços em geral. Nem nos tempos de Baydenet, Fortalnet e Quitinet era tão difícil instalar a rede. Até contratamos o serviço, mas nada de a instalação chegar. Foi um tal de “num dá”, “tá faltando um cabo”, “vai chegar uma peça de São Paulo”, que passamos quase um mês sem conexão. E haja de o vizinho equatoriano, proprietário de uma lan house, comprar Ferrari e fazer festa de cumpleaños da filha às nossas custas. A situação só foi resolvida aos 45 do segundo tempo, graças ao MacGyver de Caracas, um venezuelano desenrolado que, quebra daqui, puxa dali, conseguiu instalar o equipamento.

Capítulo 3 - Luz
Paz, tranqüilidade? Nada. Tão somente um dia depois da instalação da internet, fomos acordados por batidas na porta que recordavam o show da Timbalada, no tempo em que o Xexéu ainda não era cliente do Fernandinho Beira-Mar. Abrimos. Um funcionário da Coelce de Madri, um cabra mais grosso que cano de passar tolete, avisava que nossa energia estava sendo cortada, em virtude de uma dívida dos antigos inquilinos. Resultado, todo um fim de semana sem luz, chuveiro e fogão elétricos, televisão e, claro, internet. As velas, ainda hoje espalhadas pela casa, são a prova viva de que o aforismo do Moésio é verdadeiro. Tatu só toma na rima.

jueves, 4 de junio de 2009

A conta, minha joia.


No Brasil, a gente nem ligava muito. Estamos em crise? Sério? Outra grande novidade: se você rodar o disco da Xuxa de trás para frente, aparece uma mensagem do capeta. E o boneco do Fofão vem com uma espada dentro. Quando um país vive na pindaíba, parece que a tendência é se acostumar. Mas aqui é diferente. Depois de experimentar duas décadas de crescimento e bem-estar, chegou a hora de os espanhóis apertarem o cinto. De fazer torrada com pão de ontem, remendar havaianas com clipe, colocar pilha na geladeira, água no xampu, etc.

Mesmo sendo craques nessas técnicas infalíveis, também sentimos o impacto, ou melhor, a lapada no já combalido bolso e partimos em busca de emprego. A primeira tentativa veio da própria universidade. Uma amiga nos ofereceu um estágio na churrascaria do tio dela. Imaginando as talhas de picanha se desvanecendo candidamente sobre o prato e, em seguida, repousando no nosso estômago, respondemos: “É um sonho de criança. Quando éramos pequenos, enquanto nossos amigos queriam ser astronauta, jogador de futebol, bombeiro, nós estávamos lá, servindo Toddynho em copo de chopp. E é para trabalhar de garçom? Caramba, o destino tem mesmo dessas coisas.”

Horas depois de decidir na porrinha quem se candidataria à vaga, eu estava frente a frente com o gerente. “O senhor quer que eu cite dois defeitos meus?” Fui muito sincero: “olha – com a compenetração do Cid Moreira no banheiro - confesso: sou uma pessoa extremamente perfeccionista, isso chega até a irritar um pouco. E também não consigo ficar parado um só minuto, estou sempre procurando algo para fazer, coisas fora do lugar... Espero que isso não me comprometa.”

Como já dizia Schopenhouer, bobeou, a gente pimba: fiquei com a vaga em um rodízio de carne à brasileira. Às vezes, o mundo é como um frango no microondas: dá voltas. Um dia comendo ovo e, no outro, com filé a meio palmo do nariz. Mas o trabalho não era fácil. Para quem não sabe, entre os garçons existe uma hierarquia. Iniciantes começam levando linguiça. Calma, calma, explico melhor: só podem levar linguiça às mesas. Depois de muito tempo é que conseguem o brevê para conduzir maminha, cupim e por aí vai. Saibam que a honra de desfilar com a suculenta picanha, ao som de “Pissit! Aqui, amigão”, é resultado de muito esforço e suor.

Outro detalhe interessante é que eles colocam nome nas facas de corte. “Ô, Aderbal, pega uma faca aí pro rapaz novo. Pega a Steve”. Então, eu disse: “Steve? Legal! Jobs? Martin? Seagal?” E ele: “não, Stevie Wonder”. A verdade é que minha faca era tão cega que não cortava nem manteiga fora da geladeira em Sobral. O que, por um lado, foi bom. Não fosse isso, certamente teria sobrado um mindinho ou um fura-bolo em meio às linguiças. Mas, por outro, foi um desastre: uma costelinha de porco rebelde, depois de só soltar o espeto a muito custo, besuntou uma bolsa Louis Vuitton de uma madame. A única coisa que consegui dizer na hora foi: “É, senhora, parece que o bicho ainda está vivo.”

Para fechar com chave de ouro o final de semana de intensa labuta, um senhor pediu um pedaço de lombo ibérico. Olhando para a churrasqueira, senti-me mais ou menos como um daltônico tentando diferenciar a bandeira do Náutico da palmeirense. Peguei o primeiro espeto que vi na minha frente. E haja o cliente dizer que aquilo não era lombo ibérico de jeito nenhum. Isso não é lombo. É lombo. Não é lombo. É lombo. Não é, não é e não é! E eu dizia: "é sim, é sim, é sim. Lá, lá, lá.” Mas aí o clima esquentou. A esposa do cliente, que até então permanecia inerte à querela, perdeu a paciência: “Você vai mesmo teimar com ele?! O rapaz trabalha aqui todo dia, Gervásio. Sabe o que está fazendo.”

Essa foi por pouco. Antes que o gerente chamasse a polícia, ou pior, o serviço de extradição, pedi as contas. O melhor disso tudo é que não faço mais feio nos churrascos do Icaraí. E, por falar em praia, o forno ainda me rendeu um bronze que faria o Kadu Moliterno morrer de inveja.

sábado, 21 de marzo de 2009

4 lisera em Londres, parte 2


(Fernando, ao fim do vídeo, "Ei, vamo tomar uma?")


Lembra de “Velocidade Máxima 2”, em que a bomba é o filme? Pois é, continuações são usualmente piores que o original. Aliás, há quem destrua a carreira depois de uma seqüência mal feita. Macaulay Culkin, por exemplo, após “Esqueceram de Mim 2”, virou amigo(a) do Michael Jackson.

Como não temos carreira para destruir, nem muito menos a intenção de andar pra trás, como o cantor pop que sofre de pano branco, prossigamos a aventura dos quatro lisera em Londres. Sim, a história é antiga, requentada, mais velha que brontossauro, pterodátilo e a Hebe. Mas, diante da falta de grana e, conseqüentemente, da falta de causos, melhor mesmo é terminar de contar nossas peripécias na terra de Tio Sam. Ah, o Tio Sam não é inglês? Tá bom, então, avô Sam, bisavô Sam, sei lá. Alguém da família deste corno deve ser britânico.

Onde estávamos? Isso mesmo, na London Eye. Ali paramos para comer um cai duro. Foi quando escutamos o nosso primeiro “Foquiú”. O premiado foi o Fernando Oião que, ao reclamar do preço do caga-já, segundo ele, “Muito ecspensivi”, ouviu do vendedor o palavrão normalmente traduzido nos filmes com o eufemístico “Vai-te ferrar”. O momento foi tão comovente que o Fernando consentiu cair uma lágrima. O suficiente para elevar em trinta centímetros o nível do rio Tamisa.

Finda a refeição revigorante, pensamos no que fazer em seguida. O coeficiente intelectual dos quatro amigos era tão alto que ninguém sabia bem para onde ir. “Que merda, Londres não tem nada pra fazer”, alguém chegou a proferir. Decidimos procurar uma lan house para tentar criar um roteiro turístico. Assim, caminhando para encontrar um computador, acabamos conhecendo boa parte da cidade. Visitamos a Tower Bridge, o Brittish Museum, o Museu de Ciência e Tecnlogia, o Palácio de Buckingham, Piccadilly Circus, o Museu da Guerra e, principalmente, os ônibus de dois andares. Como seria bom se o Paranjana também fosse assim!

Vale lembrar, ademais, a apetitosa feijoada que saboreamos em pleno centro de Londres. A iguaria estava mesmo deliciosa. Comemos, sem suspeitar que, algumas horas mais tarde, precisaríamos entrar na Harold’s, uma das lojas mais caras e famosas do mundo, para, digamos, devolver os feijões ao vaso.

Logicamente, houve mais imprevistos. Deixamos de visitar lugares como o Tate Modern e a National Royal Gallery porque perdemos algumas horas vendo besouro no Museu de Ciências Naturais. Se fosse para observar mosquito, era muito mais fácil regressar ao nosso Ceará véi, esperar a chuva e acender a lâmpada.

Outro problema, este sem solução, foi causado por esta nossa cara de lorde inglês. Com ela, até porque não temos outra, tentamos entrar em um bar e fomos sumariamente barrados. O motivo? “Aqui não se pode entrar de ruma”, disse o brutamonte que guardava a porta. Interessante que logo em seguida a passagem foi liberada para uma excursão de uns trinta turistas alemães.

Falando em alemão, fizemos amizade com um deles no albergue. Até ficamos de visitar um museu com o rapaz. Ele não sabia, entretanto, que quando um brasileiro marca alguma coisa, é necessário confirmar quinze vezes, além de chegar umas duas horas após o horário marcado. O pobre coitado do Fritz foi pontual, esperou longos minutos no frio e, quando já havia desistido e estava indo embora, viu-nos chegar sorridentes. Não entendemos nada de alemão, mas certamente aquilo que bradou não foi um elogio.

O idioma causou ainda outras dificuldades. Curiosamente, não tanto o inglês ou o alemão, mas, sobretudo, o português. Estávamos degustando uma Guinness (um dia tomando Sapupara, no outro bebendo Guinness; a vida é mesmo surpreendente), quando um sujeito se aproximou da mesa. Pela inteligência simiesca, notamos se tratar de um português. O Manuel começou oferecendo droga e chegou ao ápice da maldade ao tentar vender um casamento. “Ora, pois, você casa com uma portuguesa e ganha a cidadania!”, explicou. Recusamos na hora. Primeiro porque o casório custava muito caro. Segundo porque portuguesa tem bigode. E terceiro porque matrimônio arranjado é crime e, estando em Londres, Sherlock Holmes certamente viria a descobrir.

jueves, 5 de febrero de 2009

O réveillon chinês


Uma das primeiras surpresas que tivemos ao chegar à Espanha - isso muito antes de nossa completa europeização, quando ainda levávamos o resto da Coca de 2L do restaurante para a casa - foi a quantidade de chineses que habitam esse país. Parece que com o fim da TV Manchete e daqueles seriados do tipo Changeman, Jaspion, Lion Man, Jiban, Jiraya, todos os atores vieram tentar a sorte por aqui. Ah, claro, os seriados eram japoneses. Mas até parece que você saberia distinguir um do outro. A gente, sim.

Os chineses são empreendedores natos. Atualmente, representam a maior economia emergente do mundo, com destaque para a exportação de despertadores à pilha, pistolas coloridas de plástico, carrinhos à fricção, facas Ginsu e, claro, exportação deles mesmos. Aqui em Madrid, por exemplo, estão por toda parte, sempre atentos às oportunidades de ganhar um "eulozinho" que seja. Se começa a chover, saem como tanajuras, aos montes, gritando "Paláguas, paláguas! Un eulo, paláguas! " (que é o nosso guarda-chuva). Se é festa, latinhas de cerveja já estão na mão. Agora não nos perguntem porque no desfile dos Reis Magos, a festa religiosa mais importante da Espanha, eles tentavam vender para as criancinhas católicas gigolettes com chifres de diabinho que acendiam e apagavam freneticamente. Ou eles pensam que mago, bruxo e capeta são a mesma coisa ou foi uma liquidação das sobras do Halloween.

Apesar da hegemonia chinesa nas lojinhas de alimentação, mais conhecidas no Ceará como budega ou mercadim, é nos restaurantes que eles fazem sucesso por aqui. O sabor da comida não é muito melhor do que o baião com maminha da BR e o atendimento é quase tão bom quanto o do Cabana, no Icaraí. Mas os preços, hummmmmm, esses valem a pena. Bem, pelo menos essa era a idéia que tínhamos antes de uma fatídica noite de domingo.

Tomaru Nubogah, uma chinesa da nossa sala que, para não fugir às origens, é um verdadeiro dragão, nos convidou para comemorarmos todos juntos a entrada do ano novo chinês em um restaurante, claro, chino também. "Uh, na hora! Vamo encher o bucho por uma merreca!", pensamos. Mas os problemas começaram logo na entrada: a versão oriental do seu Lunga, o gerente, olhou as nossas roupas, pediu perdão porque estava sem trocado e mandou a gente vazar, cair fora, dar o pira ou, em bom português, capar o gato.

Antes tivéssemos ido. Não foi preciso nem ver o cardápio para saber o tamanho do estrago que estava por vir. Talheres que brilhavam mais do que catarro em parede; copos do mais puro cristal e, num cantinho, aquela conhecida placa "Aceitamos todos os cartões de crédito". Só faltou o complemento: "Você vai precisar". Daí em diante, não tivemos muito o que fazer: encaramos uma sequência de pratos exóticos de causar inveja à Claudete Troiano, Ana Maria Braga, Indiana Jones e Crocodilo Dundee: guisado de gia, sopa de calango, língua de guabiru, tripa de soim, besouro do cão e, por falar nisso, um poodle e dois yorkshires. Nem no Discovery Channel tinha aparecido tanto animal diferente.

"Mais alguma coisa, senhores?" Antes que a gente pedisse um advogado ou esponja e sabão para lavar pratos ou, ainda, cinquentinha emprestado, a conta, que mais parecia um rolo de papel higiênico, já estava sobre a mesa. Resultado da brincadeira: quase mil reais, divididos entre alguns coitados que não continham as lágrimas ao ver o crupié, digo, o garçom, recolhendo o vil metal. Esqueceram de nos avisar que, no réveillon chinês, a contagem regressiva é um pouco diferente: é o nosso dinheiro que vai diminuindo até chegar a zero.

sábado, 6 de diciembre de 2008

4 lisera em Londres


Se existe uma característica comum aos lisera, esta se chama ousadia. Olha só: o cabra é liso, sem um puto, está na Espanha gastando o que tem, o que não tem e o que pediu emprestado e ainda quer conhecer Londres. Marrapaz, num tô dizendo mesmo. De qualquer forma, vamos lá. Imagina aí uma voz do Hebert Richards: episódio de hoje, 4 lisera em Londres.

Tudo começa ainda no aeroporto. Sem dinheiro para pegar táxi e com um vôo às 6h da manhã, a solução é dormir no terminal aéreo mesmo. Mas por que a gente não escolheu outro horário? Muito simples. Para poder pagar a passagem, tivemos que comprar aqueles vôos low cost. Ou seja: viajamos em um ônibus da São José do Ribamar que tinha asas.

Mas voltando ao aeroporto, vale dizer que o chão frio aqui na Espanha é ainda mais frio. E não adianta procurar lugar: quando se chega ao Pinto Martins de Barajas, as poucas poltronas já estão ocupadas por outros lisos. Pelo menos, tínhamos conosco um recheado, dois danone e a velha coca de 2 litros, o atestado mais conhecido da lisera. Quem nunca tomou uma coca grande com a pizza sem óleo da La Ticiane, na Cidade 2000?

Vencida a etapa aeroporto, vamos ao capítulo avião. O nosso Pici-Unifor alado possuía algumas sutilezas. Poltrona: ali só cabia o Marco Maciel. E se estivesse de regime. Aeromoças: foi a primeira vez que vimos comissárias de bordo feias. Uma era tão gorda que, quando apontou as portas de emergência, temi por nossa segurança. Vai que, Deus livre, acontece alguma coisa, ela resolve sair antes e entala? A outra aeromoça era até bonitinha. Mas foi só abrir o sorriso de tabuleiro de xadrez para constatarmos que se tratava mesmo de uma companhia aérea diferente. Piloto: falou o texto padrão em espanhol e, em seguida, disse, “a parte em inglês eu não sei”. Serviço de bordo: pizza, refrigerante, pães, brioches, croissants. Legal, né? Legal, nada. Nesse tipo de companhia se paga até para ir ao banheiro. E, se for fazer o número dois, é mais caro.

Chegando a Londres, fomos ao resort. Resort, não. Hotel. Hotel, não. Pousada. Tá bom, tá bom, fomos ao albergue. O lugar ficava tão longe que eu juro ter visto por lá a placa “Hope Neighborhood”, ou seja, Conjunto Esperança. (Ainda bem que existe o Google. Sem ele, como é que eu ia escrever “Neighborhood” certo?) Entrando no casarão digno de Transilvânia, encontramos um cenário nada animador. Dozes camas compunham o nosso quarto. Entre os hóspedes: um alemão tão lento que daria inveja no Rubinho, um italiano sósia do Roberto Begnini e um hippie sem nacionalidade, cercado de livros do Nietzsche. (Outra vez, obrigado, Google). O banheiro era comunitário. E, ao tomar banho de chinela, tivemos partes das havaianas corroídas.

No primeiro passeio, encontramos logo nossos outros dois companheiros lisos: Fernando, de alcunha “olho de guaxinim”, e Rodrigo, vulgo “meio palmo”. Foi bom reencontrar a nata da lisera cearense, até porque, há alguns meses, metade da turma estava pegando a Topic 55 em direção ao Monte Castelo. Depois dos abraços e dos cordiais: “Aí dentu”, “Um bosta desse”, “Ieeeeei”, “Teu boga, baitola”, olhamos ao nosso redor com aquela emoção de matuto que tira foto no Iguatemi. Vimos a London Eye, a maior roda gigante do mundo, que fez o olho do Fernando parecer uma bila. Do outro lado, estava o Big Ben, que eu pensava que tinha sido aquela explosão que gerou o mundo, mas que, na verdade, é o parlamento inglês.

Como os Beatles (ou os Trapalhões), éramos quatro e estávamos em Londres. E a aventura estava apenas começando.

domingo, 2 de noviembre de 2008

O primeiro passeio turístico


Depois de dias comendo o pão que o coisa ruim amassou, pisou, cuspiu e passou no sovaco suado, conseguimos um lugar para morar. Pelo que deu para perceber, é como se a gente estivesse morando no Conjunto Esperança ou no Jereissati II de Madri. Mas sem aquela violência toda. Ou quase nenhuma. A última vez que acionaram a polícia foi para apartar duas garotinhas que se engalfinhavam porque uma pregou meleca do nariz no cabelo da outra.

Mas nem podia ser diferente: a grande maioria da população é formada por senhores e senhoras, sempre muito educados e solícitos. Imagina se vai acontecer alguma coisa?! Já pensou que cena ridícula, um velhinho de 92 anos, todo se tremendo, apontando um revólver pra alguém e dizendo: "Pa-pa-passa o celular, meu filho... A bolsa, não. É muito pesada e eu quero evitar a fadiga..." Todo dia a gente desce para jogar uma partidinha de dama, ludo, gamão. Nunca aconteceu nada.

Agora que estávamos devidamente instalados e inseridos socialmente, resolvemos ser um pouco turistas e conhecer a cultura, a arte e a história do país em que estávamos morando. Para fazer tudo isso, guardávamos no bolso do casaco surrado pouco mais do que 15 euros, o papel de um Malukinha de Morango e uma figurinha amassada do Biro-Biro. Mas como saco vazio não fica de pé, resolvemos almoçar antes para só então seguir caminho. Atraídos pela logomarca, paramos no "Pollito", um restaurante self service bem simples, porém aconchegante. Mais à frente, podia-se escolher vários tipos de guarnição. "Olha ali... Um arrozinho com passas agora, hein? Hummmmm". Mas esse desejo logo foi desfeito pelo garçom, que abanou freneticamente a comida com uma das mãos, até que a porção ficasse branca como neve. Ou as passas da Espanha sabem voar ou você acertou na mosca o que realmente era aquilo.

Foi o jeito, então, encarar um prato russo, chamado "arrozcovo" - vulgo bife do oião - antes de seguir para o centro. A viagem é muito longa. Dá para cantar umas 4, 5 vezes, tranqüilamente, "Faroeste Cabloco". Isso se você for retardado. Caso contrário, um bom livro já resolve. Finalmente, chegamos. Munidos de câmera digital no pescoço, bermuda, camisa florida de botão, chapéu, tênis com a meia no meio da canela e milhares de folhetos turísticos, resolvemos procurar um lugar que nos proporcionasse um engrandecimento intelectual condizente com a nossa sede de conhecimento.

Gesticulando mais do que dançarina de pagode no refrão, tentamos estabelecer contato usando o nosso espanhol de microondas, cheio de frases prontas: "Hola, por favor: ¿donde hay museos, pintores, esculturas?" O homem respondeu como se estivesse narrando na Verdinha 810 AM um contra-ataque do Ceará: "Sigue adelante, después de la estatua vas a tener obras de Miró y Dalí." A nossa sorte é que estudamos bastante espanhol antes de viajar e entendemos tudo direitinho: "Tsc, muito fácil. Vai adiante e sobe na estátua que dá pra ver melhor dali..."

Pois não é que deu certo? Em cinco minutos, estávamos onde, onde? Museo del Prado? Parque del Retiro? Reína Sofia? Huuuú, na trave. No Santiago Bernabéu, o estádio do Real Madrid. Isso mesmo. Gastamos nossos últimos euros para conhecer o local onde os maiores craques de futebol do mundo jogam, treinam, tomam banho, fazem número um, número dois etc. E valeu cada centavo. Conhecemos a sala de troféus, onde estão expostas as maiores conquistas do time, a foto de todos os jogadores que marcaram época. Tem o Roberto Carlos, no tempo em que ele ainda não arrumava o meião no meio da partida; o Ronaldo, o Robinho, o Cicinho, o Júlio Baptista. E pra conversa não ficar chata para a mulherada, tinha o David Beckham também. Por favor, nada de gritinhos histéricos.

Conhecemos ainda a arquibancada, as cabines de transmissão. E olhem só: é possível bater fotos sentado no banco de reservas dos próprios jogadores, à beira do tapete verde. Igualzinho aos nossos estádios. Uma vez a gente pediu ao Seu Tavares, vigia do Castelão, para bater uma foto no gramado. "Claro, meu fi, pode. Se você souber onde é que tem um."

Mas bem que estávamos estranhando tantos agrados. Na saída, há um loja exclusiva do time, para pegar os bestas no calor da emoção. Lá, pode-se encontrar todos os tipos de mimos e adereços com a logomarca do clube: camisas personalizadas, chaveiros, imãs de geladeira, canetas. Tinha até uma cueca com o símbolo do Real e uns dizeres: "Vai que é tua, Castillas (o goleiro espanhol), segura duas bolas ao mesmo tempo!"

O cartão de crédito estava quase pulando do bolso, doido para se esfregar na maquininha espanhola, que piscava para ele. No final, conseguimos sair de lá sem gastar nada. Milagre de São João? São José? São Sebastião? Não, Não. São dois lisos, isso sim. É que, se comprássemos um Big Big, teríamos que voltar pra casa à pé. Deu saudade do tempo em que o trocador perguntava "inteira ou meia?" E a gente mostrava a carteirinha.


Um plus extra a mais para você:

- Visita virtual à sala de troféus:
http://www.youtube.com/watch?v=_khGcdneNbM

- Visita virtual ao banheiro do estádio:
http://www.youtube.com/watch?v=jApPrrPg7Kk

- Mais fotos do passeio:
http://www.flickr.com/photos/31579939@N04/page7/

miércoles, 15 de octubre de 2008

A Moradia

Depois de perambular por dois dias pelo centro de Madrid, era hora de arrumar um lar, uma choupana, uma casa, um apartamento, um chalé ou qualquer lugar para morar. Isso ficou bem claro depois que os turistas começaram a nos jogar algumas moedas.

Pode parecer estranho, mas aqui as pessoas alugam os quartos, ou - para evitar o duplo sentido - as habitaciones na maior tranqüilidade. Ou seja, se o apartamento é grande, os donos ou inquilinos alugam os cômodos vazios. Em resumo, teríamos de morar com gente que nunca havíamos visto na vida. Coitados deles.

Entramos nos sites especializados, anotamos o que nos interessava (os mais baratos, digo) e começamos a nossa saga. Na primeira parada, vivia uma brasileira. “Bom sinal”, pensamos. Ledo engano. Numa mistura de português, espanhol e ainda um dialeto de Cuiabá, a senhora nos explicou que moravam poucas pessoas na casa: ela própria, cinco crianças (que àquele momento assistiam ao Cartoon Network no volume Trio Elétrico ), um cachorro (que nos recebeu com aquele agradável abraço erótico na perna) e uma tia velha (que deve ter sido musa inspiradora de Orlando Silva.) Esse público de jogo do Ferrim já estava nos fazendo desistir, mas o golpe de misericórdia veio mesmo quando anfitriã nos apresentou o apartamento. Mostrou a cozinha, a sala e, quando pensávamos que ia falar: “Esta é a despensa”, ela disse: “Este é o quarto.” E ainda comentou: “Um pouco pequeño, né?” Puro eufemismo. Ali só cabia o Nelson Ned. E em pé.

O lar doce lar de uma romena era o destino seguinte. E a visita já não começou bem. Logo no hall do prédio, subiu um cheiro esquisito. (Lembrar do Brasil é bom, mas não da Leste-Oeste.) E o pior: quando a porta do apartamento abriu, percebemos que o odor provinha exatamente dali. A romena nos saudou com um sorriso desfalcado. (Faltavam o Cafu, o Roberto Carlos e o Bebeto mais à frente.) O apartamento, pelo menos, era maior que o anterior, a prisão da Bárbara de Alencar. O problema é que este abrigava toda a galera do mal dos filmes de High School. Para se ter idéia, passou por nós um moleque de uns quinze anos, fumando como uma caipora e com piercing até no olho. Isso nos amendrontou um pouco. O nocaute, porém, aconteceu quando descobrimos a origem do cheiro. A Romena banguela estava dando salsichas para a filhinha recém-nascida. “Ela adora”, falou. Pensamos em oferecer um copo de Quik Morango para completar a refeição sem conservantes.

O terceiro apartamento pertencia a um polonês. Era um senhor de meia idade, sósia do Felipão. Dessa vez, a visita começou diferente. Nós estávamos interessados no apartamento, mas era ele quem fazia as perguntas. “Vocês são marroquinos?”, foi a primeira delas. “Não, não, somos brasileiros”, respondemos. “Ah, bom. Detesto marroquinos”, contestou sem pestanejar. Então, passou a apresentar o apartamento. O lugar era meio sinistro, com as paredes mofadas e uma série de objetos estranhos fazendo a decoração. Num quarto, havia um vídeo-cassete, com toda a coleção de Hitchcock. No outro, uma espada samurai, duas adagas, uma besta, três alabardas, algemas e toda sorte de canivetes. A sala, por fim, trazia um acordeón que devia estar ali para reproduzir a marcha fúnebre ou um CD do Jorge Vercilo, o que, convenhamos, dá na mesma. Nos longos dois minutos que passamos na sucursal da SS nazista, só conseguíamos imaginar a manchete do Diário do Nordeste (e a notinha do El País) no dia seguinte: “2 brasileiros e 56 marroquinos encontrados no freezer de maníaco polonês.”

Hoje, vivemos com um jovem e tranqüilo casal de peruanos. O Michel é fanático por futebol e acompanha todos os campeontados do mundo. Ou seja, não falta assunto entre nós. E a Inês sempre nos ajuda em tarefas extremamente complexas, como lavar roupas ou fritar ovo. Graças a Deus, estamos mais calmos. Mas ainda morremos de medo de dar de cara com o polonês sádico, com a romena nutricionista e, principalmente, com o cachorrinho sapeca da brasileira.